A versatilidade única de Japanese Breakfast

Lidar com a tragédia, o luto e a sensação de solidão pode ser uma tarefa extremamente desafiadora, mas ao procurar por uma válvula de escape para exprimir sentimentos tão densos, Michelle Zauner decidiu transformá-los em poesia e compartilhá-los com o mundo. A atmosfera sonhadora que permeia toda a obra de seu projeto musical, Japanese Breakfast, não é por casualidade: buscando uma ferramenta de autoexpressão para lidar com a dor, foi através da arte que encontrou o seu alicerce e, consequentemente, um caminho para a cura a partir da música e também da escrita.

Proporcionando uma interpretação levemente esperançosa e otimista que, ainda assim, não se desvencilha de demonstrar suas angústias, a artista transita por entre as diferentes nuances da música alternativa, incorporando elementos variados que costumam vir acompanhados de composições confessionais e honestas sobre suas experiências particulares. Ao explorar a existência humana em suas criações, Japanese Breakfast desperta uma fácil admiração por parte do público, que rapidamente se identifica com suas conversas a respeito de amor, perdas, introversão, desorientação, solitude, e muito mais. Conheça essa incrível banda e se encante!

Michelle Zauner, a musicista por trás da Japanese Breakfast. Foto: Joyce Jude / Reprodução.

Japanese Breakfast é uma banda de indie rock liderada pela cantora, diretora e autora coreano-americana Michelle Zauner. Despontando na indústria em 2011 com um projeto anterior, um grupo da Filadélfia chamado Little Big League com o qual concebeu dois álbuns de estúdio, These Are Good People e Tropical Jinx em 2013 e 2014, respectivamente, encontrava-se dentro de um nicho denominado como emo, com uma forte presença de notas de guitarras distorcidas e estrondosas e vocais agudos.

Em 2013, diante do diagnóstico de câncer da sua mãe, Zauner mudou-se para o estado do Oregon e passou a dedicar-se à rumos diversos, eventualmente fundando a Japanese Breakfast e canalizando sonoridades distintas das suas anteriores, com influências relativamente acentuadas de indie rock, dream pop e lo-fi, remetendo o impacto causado por Fiona Apple e Björk, como um recurso para uma imersão completa em si mesma e nas suas emoções, criando uma realidade em que obtivesse total controle. Uma divisora de águas em sua vida profissional e pessoal, Japanese Breakfast viabilizou, não obstante, o debute diretorial de Zauner, que assumiu a direção da maioria de seus videoclipes, com exceção de In Heaven e Jane Cum, que foram dirigidos por Adam Kolodny.

O trabalho introdutório como Japanese Breakfast foi June, de 2013, resultado de uma empreitada onde gravou uma canção diariamente durante o mês de junho com Rachel Gagliardi, postadas no blog do Tumblr rachelandmichelledojune. Participou, igualmente, de uma ideia musical com os cantores Gabrielle Smith, Florist, Frankie Cosmos e Small Wonder, cujas faixas foram divulgadas sob o usuário may5to12songs no Tumblr. Posteriormente, publicou suas canções autorais no Bandcamp como álbuns digitais, um intitulado Where Is My Great Big Feeling?, de 6 de junho de 2014, e o outro, American Sound, de 24 de julho daquele mesmo ano. Foram eventualmente compilados como American Sound / Where Is My Great Big Feeling no formato de fita cassete, e versões regravadas das músicas desta época estão incluídas nos registros iniciais de estúdio desta.

Vídeo oficial de Road Head, dirigido e estrelado por Japanese Breakfast.

Seus dois primeiros álbuns sob o novo nome, os amplamente aclamados pela crítica Psychopomp, de 2016, e Soft Sounds from Another Planet, de 2017, ressoam os efeitos causados pelo luto após a morte de sua mãe e suas consequências. Lançado em 1 de abril de 2016, Psychopomp, que simbolizou sua estreia, é descrito pela mesma como um confronto às viscerais sensações de pesar e inquietude que estava lutando contra àquela altura, bem como sombrio e pesado. Frequentemente, as letras trazem um teor contrastante com seu estado e pensamentos internos, embora ela tivesse um desejo de remodelar as faixas para não somente urgentes, como sonoramente animadas.

Caracterizado por uma ambientação derivada de uma estética oitentista na qual o gênero dominante é o lo-fi, emprega instrumentais oriundos do clássico dream pop dos anos 90 e de indie pop, onde os vocais devaneadores se mesclam à instrumentais melódicos e quase utópicos. Para promover Psychopomp, elaborou o videoclipe do single Jane Cum, influenciado pelo renomado filme The Craft.

Em 4 de maio de 2017, Japanese Breakfast publicou o single Machinist, que chegou com um videoclipe dirigido e estrelado pela própria em parceria com Kolodny, onde esta, inspirada pelos cosmos e contando com cenários futuristas novamente infusionados pelo lo-fi com leves toques de synthwave, interpreta uma personagem que se apaixona por um robô e destrói sua nave tentando construir um corpo para ele. Anunciou, então, Soft Sounds from Another Planet para o dia 14 de julho, e o single posterior, Boyish, veio em 7 de junho, seguido por Road Head em 6 de julho. Além de videoclipes adicionais para complementarem os singles, em sua promoção houve a disponibilização de um jogo, desenvolvido por Zauner e a designer de jogos Elaine Fath, nomeado de Japanese BreakQuest, apresentando todas as músicas do álbum como faixas MIDI de 8 bits que foram criadas por seu marido e membro da banda, Peter Bradley.

Sem afastar-se em um nível considerável de sua obra prévia, manteve os característicos dream pop e indie rock pelos quais tornou-se conhecida e gêneros cujos impulsionaram sua ascensão no nicho independente, saindo do meio underground diretamente para os holofotes do midstream, os quais a colocaram no centro do indie da década passada juntamente à outros nomes tais quais Mitski, St. Vincent, Phoebe Bridgers e Wolf Alice.

Em Soft Sounds from Another Planet, os temas recorrentes que perduram em sua arte, derivados de suas aflições e incentivadores de reflexões a respeito das interações humanas e da profundidade das conexões que surgem destas, evidenciam-se do início ao fim em uma viagem pela complexidade da mente da cantora. A capacidade de reinvenção presente em suas canções nesta era é palpável, contrapondo-se à instabilidade de Psychopomp, com uma amplitude de instrumentos e experimentações admiráveis, que envolvem o ouvinte devido à sua grandiosa engenhosidade. Sonora e visualmente, volta a evocar o estilo shoegaze do final dos anos 80 e uma intensa nostalgia contraposta à sua modernidade.

Japanese Breakfast para a capa do álbum Jubilee. Foto: reprodução.

Paralelamente à sua carreira musical, em 20 de abril de 2021, a artista veiculou seu primeiro livro, Crying in H Mart: A Memoir, que estreou em segundo lugar na lista de best-sellers de não-ficção do The New York Times naquela mesma semana. Foi anunciado que este terá uma adaptação para o cinema na Orion Pictures, com uma trilha sonora pela própria.

Há exatamente um mês, em 4 de junho, Zauner lançou seu terceiro álbum, o alegre, colorido e dançante Jubilee, uma surpresa em uma discografia majoritariamente definida por tópicos lutuosos e que tão melancolicamente abrangia a questão da dor. O single Be Sweet foi revelado em 2 de março, com dois consecutivos, Posing In Bondage, em 8 de abril, e Savage Good Boy, em 19 de maio, todos com videoclipes autodirigidos. 

Contando com um pop experimental, Zauner manifesta sua versatilidade mediante seu talento de narrativa e um notável amadurecimento. Ao mudar a perspectiva para uma nova energia com a volta do amor, resgata uma positividade duradoura, de fato remetendo à um júbilo perante os longos períodos de escuridão. Jubilee versa acerca das formas como a reciprocidade e o estar com os outros facilitam nosso acesso à vivências verdadeiramente expressivas – aquelas das quais somos privados pelo sofrimento do luto. É uma espécie de trégua de seu tormento, mais fácil de absorver e compreender do que seus antecessores, que resulta na constatação de que a alegria, às vezes, consegue ser tão intrincada quanto a dor.

Sendo esta uma produção um pouco menos autobiográfica, as lentes de Japanese Breakfast estão focadas em uma abordagem cativante. Aqui, a veterana concentra-se não apenas em exemplificar a sua inquietude, porém de modo geral, em como resistir ao desconsolo e encontrar alívio entre a tragédia e o luto, visando o afeto e as possibilidades de aproximação a despeito de sua fragilidade; uma lição necessária nos tempos atuais.

Japanese Breakfast em um ensaio para a revista Bandwagon Asia. Foto: Peter Ash Lee / Reprodução.

Com tantas alegorias e inovações, a conclusão à qual chegamos depois de conferir a importância de Michelle Zauner para a geração atual de indie rock é única: suas frustrações manifestadas e constantes evoluções transparecem a importância de se permitir sentir livremente, dando-se espaço para explorar os sentimentos um a um. A despedida de sua fase anterior para contemplar novos horizontes introduz um capítulo inédito em sua trajetória, no qual o inesperado e a autenticidade são os maiores agentes por trás de seus processos criativos.

Uma celebração de sua individualidade tendo sobrevivido ao caos, a plurivalente artista molda seus lampejos conforme avança em sua jornada de resiliência, garantindo que não está nem perto do fim, e que os que desejarem acompanhá-la daqui em diante permanecerão deparando-se com o acolhimento, o conforto e a vulnerabilidade brutalmente sincera de suas palavras – escritas, cantadas, ou os dois –, seja para diminuir o peso do fardo de ter que enfrentar tristezas incapacitantes, seja para descobrir uma saída para a felicidade dentre elas.

Ouça a playlist da banda no Spotify:

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